Ser
ou não ser de ninguém?
Eis a questão da geração tribalista
por Mônica Montone
Eis a questão da geração tribalista
por Mônica Montone
Na hora de cantar
todo mundo enche o peito nas boates, levanta os braços, sorri e dispara:
"eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também".
No entanto, passado o efeito do uísque com energético e dos beijos
descompromissados, os adeptos da geração "tribalista" se dirigem aos
consultórios terapêuticos, ou alugam os ouvidos do amigo mais próximo para
reclamar de solidão, ausência de interesse das pessoas, descaso e rejeição.
A maioria não quer ser de ninguém, mas quer que alguém seja seu.
Beijar na boca é
bom? Claro que é! Manter-se sem compromisso, viver rodeado de amigos em baladas
animadíssimas é legal? Evidente que sim. Mas por que reclamam depois? Será
que os grupos tribalistas se esqueceram da velha lição ensinada no colégio,
de que "toda ação tem uma reação"? Agir como tribalista tem conseqüências,
boas e ruins, como tudo na vida. Não dá, infelizmente, para ficar somente com
a cereja do bolo - beijar de língua, namorar e não ser de ninguém. Para comer
a cereja é preciso comer o bolo todo e nele, os ingredientes vão além do
descompromisso, como: não receber o famoso telefonema no dia seguinte, não
saber se está namorando mesmo depois de sair um mês com a mesma pessoa, não
se importar se o outro estiver beijando outra, etc, etc, etc.
Embora já saibam
namorar, "os tribalistas" não namoram. Ficar também é coisa do
passado. A palavra de ordem hoje é "namorix". A pessoa pode ter um,
dois e até três namorix ao mesmo tempo. Dificilmente está apaixonada por seus
namorix, mas gosta da companhia do outro e de cultivar a ilusão de que não está
sozinho. Nessa nova modalidade de relacionamento, ninguém pode se queixar de
nada. Caso uma das partes se ausente durante uma semana, a outra deve fingir que
nada aconteceu - afinal, não estão namorando. Aliás, quando foi que se
estabeleceu que namoro é sinônimo de cobrança?
A nova geração
prega liberdade, mas acaba tendo visões unilaterais. Assim como só deseja
"a cereja do bolo tribal", enxerga apenas o lado negativo das relações
mais sólidas. Desconhece a delícia de assistir um filme debaixo das cobertas
num dia chuvoso comendo pipoca com chocolate quente, o prazer de dormir junto
abraçado roçando os pés sob as cobertas e a troca de cumplicidade, carinho e
amor. Namorar é algo que vai muito além das cobranças. É cuidar do outro e
ser cuidado por ele, é telefonar só para dizer boa noite, ter uma boa
companhia para ir ao cinema de mãos dadas, transar por amor, ter alguém para
fazer e receber cafuné, um colo para chorar, uma mão para enxugar lágrimas,
enfim, é ter alguém para amar.
Já dizia o poeta
Carlos Drummond de Andrade que "amar se aprende amando" e se seguirmos
seu raciocínio, esbarraremos na lição que nos foi transmitida nas décadas
passadas: relação é sinônimo de desilusão. O número avassalador de divórcios
nos últimos tempos, só veio confirmar essa tese e aqueles que se divorciaram
(pais e mães dos adeptos do tribalismo) vendem (na maioria das vezes) a idéia
de que casar é um péssimo negócio e que uma relação sólida é sinônimo de
frustrações futuras. Talvez seja por isso que pronunciar a palavra
"namoro" traga tanto medo e rejeição. No entanto, vivemos em uma época
muito diferente daquela em que nossos pais viveram. Hoje podemos optar com maior
liberdade e não somos mais obrigados a "comer sal junto até morrer".
Não se trata de responsabilizar pais e mães, ou atribuir um significado
latente aos acontecimentos vividos e assimilados na infância, pois somos
responsáveis por nossas escolhas, assim como o que fazemos com as lições que
nos chegam. A questão não é causal, mas quem sabe correlacional.
Podemos aprender
amar se relacionando. Trocando experiências, afetos, conflitos e sensações. Não
precisamos amar sob os conceitos que nos foram passados. Somos livres para
optar. E ser livre não é beijar na boca e não ser de ninguém. É ter
coragem, ser autêntico e se permitir viver um sentimento... É arriscar, pagar
para ver e correr atrás da felicidade. É doar e receber, é estar disponível
de alma, para que as surpresas da vida possam aparecer. É compartilhar momentos
de alegria e buscar tirar proveito até mesmo das coisas ruins.
Ser de todo mundo,
não ser de ninguém é o mesmo que não ter ninguém também... É não ser
livre para trocar e crescer... É estar fadado ao fracasso emocional e à tão
temida solidão.
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Esse texto tem
sido atribuído a Arnaldo Jabor (como muitos outros), mas é de Mônica Montone,
poeta. Você pode confirmar no site: http://www.culturall.com.br/poesia/megazine_2003.asp
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